
As Quatro estações do Isolamento
ou a resiliência da videoarte na contemporaneidade pós-pandêmica
o confinamento é um estado da mente
Como manter o abdômen plano na quarentena? O ABC da padaria. Aprenda um novo idioma da sua casa!! Top ten apps para se manter produtivo durante o confinamento… isolado, sim. Desocupado, jamais! Não existe reclusão pior do que a náusea hiper-produtiva disfarçada de autossuperação. Novas estrelas das redes sociais surgiram em meio à crise para nos fazer sentir que nunca faltou tempo e sim dedicação, porque se não fizer 100 abdominais entre o teletrabalho e as aulas online é porque você não está se esforçando o suficiente. Segundo os gurus do Instagram, seu único impedimento é sua atitude. Mas, se o isolamento é o problema, o autocastigo não pode ser a solução. Nesse caso a cura é pior que a doença.
salvos pela tela (?)
A nostalgia do externo nos leva a mergulhar na tela, contemplando o exterior que se apresenta diante dos nossos olhos como alucinações distantes de ruas, paisagens, pontes e avenidas que hoje parecem uma invenção das nossas mentes. A lembrança se dilui em uma estranheza quase onírica. O adentro se multiplica, se expande e desdobra, ao mesmo tempo que se comprime contra nossos corpos abandonados no repouso doméstico. O que fazer diante da incerteza? Consumimos imagens para preencher o vazio, mas algumas nos completam e outras nos empurram para uma sensação de deserto interior. Consumimos imagens porque é o que conhecemos, e a certeza do habitual nos protege da angústia do desconhecido. Consumimos imagens porque assim fomos programados como hommo visualis em uma eradigital. Consumimos imagens ou as imagens nos consomem...
a performance do wifi
Somos, na palavra de Haraway, cyborgs . Seres no limite entre emancipação e dependência, nativos digitais que deixaram de dançar na busca de chuva para dançar no ritmo do sinal da internet, nômades de interior, pensadores da nuvem. A falácia da normalidade se mantém online por meio de versões bidimensionais mais ou menos simultâneas daquilo que percebemos como realidade. A distopia da nova normalidade, com reminiscência dos filmes de Mostov no início do milênio, nos deixa a vontade arbitrária da conectividade. O wifi é essa entidade suprema, como os deuses da antiga era, que se manifestam intempestivos ou benevolentes, segundo a quantidade de megabytes.
o imperativo: dá o play e contempla
Uma ordem, uma instrução, uma sugestão: dá o play e contempla. Um chamado de emergência diante da desesperança, uma cota de arte para engolir maratonas de séries ou filmes pré-fabricados. O enunciado é claro, deixar de lado o “deve ser” ainda que seja por um instante, abraçar o corpo no inoperante, mergulhar nas águas da virtualidade, se perder na repetição como nas escadas impossíveis tiradas do pior pesadelo de Penrose, banir a bandeira de contradição… Deixar tudo de lado e se dedicar para o agora, este breve suspiro do que foi e do que vai ser, apenas uma coisa: dar play y contemplar.
Piren Benavidez Ortiz*

*Piren Benavidez Ortiz (Argentina)
Historiadora da arte e curadora independente. Pesquisadora e docente de profissão. Artista e fazedora de vocação. Oscilando continuamente entre as diferentes intersecções da arte, do desenho e da tecnologia.