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pensar o presente


        O primeiro programa do Festivau de C4nn3$ – A marcha audiovisual confirma sem deixar dúvida: o vídeo é, ainda hoje, mais que nunca, suporte privilegiado para refletirmos sobre o estado das coisas no presente. Forma impura e versátil que admite diferentes narrativas e uma infinidade de intervenções sobre a imagem, ele continuamente testa nossa atualidade, perguntando sem cansar se sabemos o suficiente sobre aqueles e aquilo que nos cerca hoje.  

      Os onze trabalhos reunidos aqui formulam a pergunta de inúmeros pontos distintos. Em uma edição que não deixa escapar a pandemia, além de evidentemente anti-bolsonarista, as reverberações mais urgentes do nosso tempo marcam as obras em todos os seus aspectos, desde o tom dos enunciados ao ritmo dos cortes, passando pelas cores, trilhas e videografismos. Emulando recursos do mundo analógico – a colagem sendo o mais evidente deles – ou resgatando efeitos dos primórdios do vídeo, o suporte reafirma sua vocação de documento do tempo e câmara de reverberação, como se o amontoado de escombros de que nos fala Benjamin fosse uma pilha de telas – smartphones? –, cada um reluzindo sua própria emissão do presente. 

        Um inventário não exaustivo de perspectivas, recursos de linguagem e temas apontados de um modo ou de outro pelas obras deste programa inclui videoperformances, videoclipes e flertes com o documentário tradicional; exercícios perspicazes de crítica histórica e institucional, dirigidas ao campo da arte e da cultura; ativismo LGBTQI e pela educação pública; remixes de materiais de arquivo, registros das ruas e vídeo ensaios; talking heads, monólogos e fala povo, esse conhecido recurso do jornalismo que simula captar as opiniões das pessoas nas ruas; e humor, corações partidos e aforismos políticos, compondo uma vibrante mirada crítica sobre nós e nossas representações de mundo. 

          Não surpreendentemente, a história da arte e reinvenção dos papéis de gênero aparecem em mais de uma obra, assim como o assombro diante da perversão de uma classe política que governa para uma casta e segue desinteressada de qualquer forma de justiça social. Chamam a atenção também as diferentes tentativas de fabulação do porvir, como se o presente, esgotado em seu repertório de sentidos, precisasse roubar do futuro não só alegria, mas também algum oxigênio. 

        Ainda que seja oportuno perguntar, em alguns momentos, o que as imagens realmente querem, sua capacidade de refletir aqui as entranhas deste tempo é inegável. O sol de pixels que ilumina o nosso céu nunca foi tão ofuscante. 

Gabriel Bogossian*, setembro de 2020

Pedro Gallego - acordo de Emergência, 2020
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Cyshimi - IICDZ, 2018
Frente a imagens vindas da internet e tv é apresentada uma interface virtual fictícia onde a ferramenta de busca é usada para compor um texto cujo vocabulário utilizado restringe-se às palavras presentes no PDF de divulgação do edital Arte como Respiro: Artes Visuais, lançado pelo Instituto Itaú Cultural em abril de 2020 – convocatória na qual o vídeo foi inscrito e não contemplado. Assumindo também o intuito de parodiar uma espécie de vídeo institucional, utilizo elementos do projeto gráfico e seleciono GIFs, memes, vídeos virais, trechos de filmes e registros variados que, em contato com a progressiva revelação do texto, tanto suspendem quando produzem novos sentidos para os conteúdos apresentados. Endereçando-se diretamente a critérios específicos estipulados pelo edital em questão, o trabalho revela um discurso subjacente ao conteúdo original desta convocatória, podendo também ser estendido ao modo como o circuito da arte lida com a situação de artistas durante e antes da pandemia.
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William Hart - BALBÚRDIA, 2020
Identidades demarcadas são aquelas que foram negadas a amplificação, dilatação, expansão, indeterminação,extensão. Demarcado é aquilo que foi limitado, tracejado, restringido, designado, apontado, assinalado. Assim como um produto importado, nossa identidade foi sempre trazida pelo outro, pelo exterior, um movimento de fora para dentro que culmina em identidades construídas visceralmente por estereótipos internalizados ou impostos. Compactado como aquilo que foi esmagado, comprimido, resumido quando os outros apontam o dedo e nomeiam, resumindo diversas identidades em uma, presumindo que sabem o que somos, o que fazemos, o que gostamos, com quem andamos, etc. Identidades leste-asiátiques e não branques em um geral, são aquelas que, na visão de outres, podem ser ou estar somente em lugares que já foram designadas a tal. São aquelas que, perante milhares e milhões de indivíduos são condensadas à uma ou outra identidade e perante esses lugares mínimos que as foram concedidas, vive-se o mito de ser quem não é.
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Em 2019 o ministro Abraham Weintraub decretou diversos bloqueios e cortes nos investimentos em pesquisa e educação, segundo o jornal Diário do Pernambuco os cortes ultrapassaram o valor de 7 bilhões de reais. Como resposta, no decorrer de todo o ano milhões de cidadãs/cidadãos, professoras/professores, e estudantes coordenados principalmente pela União Nacional dos Estudantes e diversos sindicatos se mobilizaram e saíram às ruas para protestar contra as tais medidas abusivas contra a educação e a previdência. Este documentário é fruto de gravações que ocorreram em Santa Maria-RS no dia 15 de Maio de 2019 também denominado como "Dia Nacional Em Defesa da Educação" (mais datas como 15 de maio, 30 de maio, e 13 de agosto em que também houveram paralisações nas Universidades Federais receberam esta denominação) sendo que segundo a UNE mais de 1,5 milhão de pessoas foram às ruas este dia. Além disso as imagens se mesclam com imagens do dia 14 de Junho de 2019 quando houve a greve geral no Brasil, e mais de 189 municípios de todos os estados e o Distrito Federal participaram dos protestos segundo o site do G1. A proposta do vídeo é a criação de uma não narrativa, que busca não se apoiar em quaisquer elementos ideológicos ou partidários, mas sim trazer democraticamente os diversos posicionamentos acerca das questões e demandas das políticas públicas relacionadas à educação e
reforma da previdência.
Ursula Jahn - Gênesis 3:5-6, 2019
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Gênesis 3:5-6 fala sobre o fardo que as mulheres ainda carregam, a culpa ancestral feminina de terem causado a diáspora humana do Paraíso e, por consequência disso, viver em uma contemporaneidade que segue perpetuando uma cultura machista e misógina. Foi pensando que Eva está na origem do grande pecado, e que todas as mulheres são suas seguidoras, que propus brincar com os séculos e séculos de culpas atribuídas. Assim, o ato de comer o fruto proibido, representado aqui em uma grande torta de maçãs, sugere devorar a culpa, satirizando os fundamentos da dominação masculina, em um gesto de se livrar de tudo isso.
Cinema Fora de Cena - CANDIDATO BEATTAPE, 2020
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Nós, do Cinema Fora de Cena, nos articulamos como um coletivo que busca novas formas de produção, distribuição e consumo do audiovisual. Através de processos lo-fi e colaborativos, diálogos entre linguagens artísticas distintas e uma pluralidade geográfica (com participantes de 4 estados diferentes do Brasil), buscamos caminhos diferentes no fazer e pensar do cinema. Os trabalhos abraçam uma produção e fazer orgânico ao mesmo tempo em que são norteados por certas práticas recorrentes e fortes referenciais do cinema experimental.
Vi Gabarda - Escavação, 2020
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Um movimento rumo ao encontro do afeto. Uma tentativa de alcançar utopicamente o suporte gerado por todas pessoas trans e racializadas. O presente, passado e futuro atuam simultaneamente na elaboração dessa fenda produzida no tempo/ espaço. Uma ficção visionária, uma praga, uma maldição, uma receita, um código morse, a elaboração de um segredo produzido sob a luz negra. Um convite que uma travesti faz para que outras ocupem e entoem esse mantra de destruição e redistribuição de afeto e da violência para outras subjetividades.
Banda Fisiológica - Medo Biológico, 2020
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Bya de Paula - BateristAs: vozes do ritmo, 2017
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A História nos conta que a figura feminina sempre esteve presente no mundo da música, sobretudo utilizando-se de percussão, desde as eras mais remotas. Entretanto, a participação das mulheres nesta antiga trajetória sofreu várias alterações devido a inúmeros fatores sócio-culturais. É o que se pretende discutir neste documentário. Foram entrevistadas bateristas atuantes no cenário do Rio Grande do Sul, de diferentes gerações e estilos musicais, tais como rock ‘n roll, heavy metal, punk, tradicionalista gaúcho, gospel, funk, eletrônico, que relatam suas interações com a sociedade em que vivem, chamando a atenção ao estranhamento social que percebem na sua profissão, nos revelam suas ações de lutas relacionadas às questões de gênero e tudo o que envolve ser mulher e ser baterista. O documentário também conta com depoimentos de professores pesquisadores nas áreas
de musicologia, comunicação social e estudos de gênero.
Mariana Lemmertz
A representação
do padrão de beleza feminina na Arte, 2020
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Ana Alice - L_origine_du_monde, 2020
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Henrique Fagundes - Funk Ficção, 2020
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Funk Ficção sugere uma realidade fictícia para o Brasil do futuro, através de imagens estereotipadas de uma identidade nacional, uma trilha sonora editada a partir de discursos presidenciais, e passinhos de dança famosos e disseminados na Internet. Imagina-se uma utopia / distopia para o país, a partir de elementos que o formam como nação. O trabalho surge da questão “Que Brasil você quer para o futuro?”, campanha televisiva da Rede Globo exercida no ano eleitoral de 2018.

*Gabriel Bogossian é curador independente e escritor. Foi curador da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades Imaginadas (São Paulo, 2019) e da Screen City Biennial 2019 – Ecologies: Lost, Found and Continued (Stavanger, 2019), além de curador adjunto do Galpão VB (2016-2020).

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